Comunicados

Carta Aberta da ABPMF aos Munícipes do Barreiro Pela defesa do Ambiente e do Património Cultural

O CASO ALBURRICA/BRAAMCAMP

I

A ABPMF tem como objectivo de acção a defesa do património cultural industrial, do meio ambiente e dos valores arqueológicos em que o Barreiro é rico. Tem-no feito sempre de acordo com as Leis em vigor, numa postura altamente democrática de participação responsável, marcada pela mais alta consciência cívica.

Esta acção tem sido imprescindível face a um conjunto de decisões tomadas pelos responsáveis autárquicos, que não só não respeitam as mais elementares regras do restauro e requalificação deste valiosíssimo património, como põem directamente em causa o processo de desenvolvimento sustentável do Concelho do Barreiro.

Porém, muitos têm sido os argumentos utilizados contra a Associação Barreiro Património Memória Futuro (adiante designada de ABPMF) por defender  a reabilitação  ambiental, paisagística e moageira de Alburrica/Braamcamp, espaço classificado como sítio de interesse municipal pela importância da paisagem, do ambiente e dos moinhos de maré e vento existentes, e ainda, pelas questões climáticas com consequências graves na subida das águas do estuário, e pela conservação dos ecossistemas.

 II

Os responsáveis têm assumido uma posição de puras vítimas, acusando a Associação de ser movida exclusivamente por interesses partidários. Ora, este processo de vitimização e de partidarização tem tido como único objectivo impedir a análise serena e aprofundada das propostas apresentadas, sempre como factos consumados.

 Esta vitimização  de quem quer vender para construir, é uma manobra antiga muito usada no passado, chamando desenvolvimento ao que, afinal, não passava, nem passa, de mero  processo de especulação à custa do território municipal, afirmando que esta repetição de mais betão é uma inovação e um factor de progresso, quando, de facto,  não passa de puro oportunismo mercantilista. A ABPMF é sistematicamente acusada de constituir um factor de atraso deste processo. Ou seja, somos um empecilho à construção deste Barreiro, que de novo nada tem, quando só agimos em defesa do valiosíssimo património de arqueologia industrial que o Barreiro possui e marca profundamente a sua (a nossa) identidade.

III

Como sabemos, o verdadeiro desenvolvimento não pode hipotecar o futuro, servindo-se oportunisticamente do presente, não se subordinando a interesses imediatistas mais ou menos inconfessáveis. Bem pelo contrário, procura dar resposta equilibrada às diferentes necessidades da comunidade, enquanto que o crescimento responde unicamente aos interesses de alguns, aos lucros imediatos, sem nenhum respeito pelo ambiente e pela vida das pessoas, e sem qualquer sentido gerador de futuro. Quanto mais construirmos em zonas que ficarão inundadas dentro de algum tempo, mais caro ficará aos nosso descendentes a correcção dos erros cometidos que, inevitavelmente, os governos central e locais terão de corrigir, utilizando o dinheiro de todos nós, contribuintes, ao mesmo tempo que promovem, sem remédio, a degradação do património e do ambiente (basta atentar naquilo que se passou com o Moinho Pequeno, hoje substituído por um edifício completamente descaracterizado e muito longe da monumentalidade arquitectónica e histórica do original).

IV

 Somos, ainda, considerados um empecilho sempre que falamos e defendemos o território e as suas várias classificações, nomeadamente o caso de Alburrica/Braamcamp. No entanto, fazemo-lo devido ao facto deste espaço ser especialíssimo, de enorme fragilidade, único em toda a Bacia do Tejo, constituindo uma autêntica “jóia” distintiva para o Concelho e como tal devendo ser tratado.

E somos, ainda, um empecilho sempre que mostramos as nossas preocupações e os cuidados a ter, neste território que sofrerá directamente as consequências da subida das águas estuarinas, segundo as simulações do professor Carlos Antunes, e que, enquanto não for submerso, deve contribuir como zona húmida de sapal, classificada como Reserva Ecológica Nacional, para a importante função de fixação do dióxido de carbono, ajudando a redução do aquecimento global. Bem como, quando insistimos que, estando o território da Quinta Braamcamp parcialmente em regime hídrico, e reserva ecológica nacional e, ainda, devido à subida da água do rio, pondo em causa pessoas e bens, não se pode construir na zona.

E, novamente, somos considerados um empecilho, quando rejeitamos liminarmente a construção de uma praia dentro da caldeira do Moinho Grande, não por birra ou injustificada teimosia, mas porque constitui uma decisão insensata e vazia de significado ambiental.

V

Convém analisar esta questão com algum cuidado:

1º. o  principal argumento justificativo da decisão de avançar com tão insólito projecto, consiste em afirmar que ele contribuiria para o abaixamento da temperatura local por constituir um reservatório de água, e desta forma, contribuir positivamente para as alterações climáticas. Ora, passando por cima do facto patente de esse reservatório já lá se encontrar, acontece que o Barreiro está rodeado por dois rios em três dos seus lados, e, além disso possuir já no local um importante conjunto de outros reservatórios. Não se percebe como é que nestas circunstâncias a instalação de uma “nova” praia, desempenharia tal função climática, até porque a existência de reservatórios de água só pode contribuir para a finalidade de amenizadores de temperatura no interior dos concelhos;

2º. A construção da nova praia é algo que assume um carácter verdadeiramente risível, na medida em que na mesma área já existem 4 outras praias ( a do Clube Naval, a do Bico do Mexilhoeiro, a do Bento e a da Alburrica).

Assim sendo fica claro:

1. não vão construir um reservatório de água, pois já existem 4 caldeiras que são reservatórios de água;

2. os reservatórios de água ou bacias de retenção, são necessárias no interior do Concelho, não à beira-rio, porque o rio  já  desempenha o papel amenizador das temperaturas, sendo que, como se viu,  o Barreiro é uma península;

3. as caldeiras estão classificadas como zonas húmidas, ou seja, pertencem à categoria de sapais e integram a Rede Ecológica Nacional. Qual o significado desta classificação? Os sapais, conjuntamente com as pradarias marítimas e as florestas tropicais, são zonas essenciais de mitigação das temperaturas por retenção do dióxido de carbono e são ambientes naturais com nutrientes indispensáveis à alimentação de várias espécies de animais, devendo por isso ser renaturalizadas, limpas e conservadas, sem alteração das plantas que constituem o seu coberto vegetal, coisa que nunca poderia acontecer numa praia densamente utilizada, como parece desejar-se;

 4- por outro lado, numa escala de prioridades de necessidades devidamente estruturada em confronto com a realidade, o Município já se pode dar ao “luxo”, de dedicar a sua atenção e o seu orçamento, neste caso 2 milhões de euros, a uma obra claramente destinada ao espavento oportunístico, e não a necessidades reais existentes?

5. o Sítio classificado de Alburrica não deve ser tratado como uma manta de retalhos, devendo ser objecto de um estudo integrado, visando a harmonização das acções em termos de compatibilização das necessidades de preservação do ambiente, e da sua utilização pelos frequentadores. Se tal preocupação não se verificar é todo o valor ambiental da área que se perde. Para além disso é indispensável que esse estudo não deixe de tomar em consideração a unidade do território e a sua articulação com o Barreiro Velho e com o Complexo Ferroviário, bem como com o restante património cultural do Concelho, do qual este espaço é um microcosmos;

6.não estando as águas do rio próprias para banhos, como irão desinfectar e por quanto dinheiro, esta praia, com milhões de litros de água do rio represa.

 VI

Para certas pessoas estas nossas preocupações são coisas pequenas, ou porque não querem ver os muitos problemas que atingem o Planeta Terra, a nossa única casa, ou porque estes problemas, quando se trata de responsabilidades de gestão de um determinado território, implicam um trabalho mais profundo e mais complexo, nunca de curto prazo e incompatível com o improviso oportunista.

Depois, é muito mais fácil viver na espuma dos dias, na moda, não colocar ou colocar-se problemas, não ter de decidir ou fazer coisas complicadas e encontrar formas rápidas de ganhar dinheiro, e ser reconhecido, mesmo que seja por pouco tempo e por cima de todas as reais necessidades do desenvolvimento sustentado do Concelho.

As posições que a ABPMF tem tomado, baseiam-se sempre no estudo documental, nas opiniões científicas emitidas pelos especialistas, compaginadas com as obrigações impostas pela legislação em vigor. Não são, por isso tomadas de ânimo leve, nem “porque é necessário decidir, porque “o pior é não decidir”. Todavia, são frequentemente interpretadas pelos responsáveis, como autênticas formas de procurar bloquear as decisões, e até, consideradas como invencionices. Todavia, elas limitam-se a reproduzir tudo o que se aplica ao território de Alburrica/Braamcamp, desde as preocupações de organismos como a ONU e a UNESCO; às decisões tomadas em diversas reuniões internacionais e que deram origem a inúmeras declarações, cartas, princípios internacionais assinados por diversos estados, entre estes Portugal; à legislação existente e em vigor em Portugal, quer do ponto de vista ambiental, quer do património cultural; aos inúmeros estudos de investigadores nacionais e internacionais. Limitamo-nos a exercer os direitos que todos os cidadãos têm de acesso à informação e participação esclarecida, conferidos pelos artigos 65º, nº1, alínea c), 68º, nº 2, alínea b) e 83ª, nº 3 do Código do Procedimento Administrativo.

E por sermos uma Associação, sem fins lucrativos, legalmente constituída, que nos seus estatutos tem como finalidade o conhecimento, a divulgação, a defesa do nosso património cultural, a Lei 107/2001 de 8 de Setembro, Lei de Bases do Património Cultural, no Artigo 10, ponto 4 confere-nos, nomeadamente, o direito de informação e participação.

VIII

Lamentamos a hipocrisia de muitos responsáveis que fazendo profissões de fé relativamente ao desenvolvimento, e à aposta no ambiente, não têm feito mais que colocar em causa, este mesmo ambiente, e o nosso País tem disso inúmeros exemplos: a licença de exploração de minas de lítio ou o caso das barragens e de culturas intensivas em zonas de reserva ecológica, em particular no Alentejo, e mais evidentemente no Concelho de (como) Odemira, ou, no nosso caso, uma praia artificial na caldeira do Moinho Grande, zona de sapal, integrada na Reserva Ecológica Nacional, ou a venda da Braamcamp para construção numa zona em leito de cheias, que ficará submersa, que em parte pertence à REN e está sobre jurisdição de regime hídrico.

Não podemos acreditar que a Agência Portuguesa do Ambiente possa ter dado luz verde aos projectos do Barreiro, como nos tentam fazer acreditar. Sempre dissemos que na Braamcamp era, pelo menos, necessário um estudo de impacte ambiental, coisa que os responsáveis sempre consideraram como desnecessário. Também não acreditamos que a APA possa aprovar e financiar uma requalificação da caldeira com uma parte coberta de areia para zona lúdica, a que a Câmara chama de praia.  Gostaríamos de ter acesso à resposta desta instituição ao questionamento que lhe foi endereçado, e ao qual temos direito como elementos qualificados pela Lei, assim como de acordo com as preocupações de transparência dos processos administrativos.

Como informámos em devido tempo, endereçámos ao Sr. Presidente da Câmara um conjunto de perguntas, no dia 11 de Março, sem, até ao presente, ter-mos obtido qualquer resposta.

Esta atitude  é só mais prova da forma como esta Associação é tratada e da constante tentativa de impedir a nossa participação construtiva e preocupada, legalmente protegida,  fragilizando o regime democrático que temos e que não construirá o nosso futuro com “yes mens”.

IX

Daremos mais notícias logo que tenhamos consultado o processo na íntegra, mas não quisemos deixar de explicitar um conjunto de dúvidas que podem servir para alertar: os mais distraídos; os que pensam que obra, seja ela qual for, é sinónimo de mudança, valorização, desenvolvimento; aqueles que nada sabem sobre a história e património do Barreiro; os que se preocupam com o desenvolvimento da nossa terra e querem participar activamente na sua discussão pública; os que defendem que o património é um meio eficaz de desenvolvimento futuro, desde que bem equacionado.

Alertar todos para a necessidade de haver uma informação completa sobre o que se passa em Alburrica, de forma a esclarecer um conjunto de dúvidas cruciais para o futuro do nosso património e consequentemente para o futuro sustentado do Barreiro. Isto porque pretendemos alertar para o facto de que não pode existir participação sem informação, e que esta é um direito consignado na lei e não uma distinção que, quem está no poder, dá quando quer e dá jeito, e tira quando não lhe interessa.

Barreiro 27/05/2021

Associação Barreiro Património Memória Futuro