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Parecer da ABPMF sobre o Sítio de Interesse Municipal e a Proposta de Venda do Braamcamp a Privados para Construção Imobiliária

De forma muito sumária e para que se perceba a importância do espaço  descrevemos Alburrica ( palavra de origem árabe, que significa brilho esplendor)  Sítio de Interesse Municipal, constituído por duas pequenas penínsulas formadas por aluviões e consolidadas sobre ostreiros, com ocupação provável desde o neolítico, de acordo com os achados em pedra, recolhidos nos anos 60. Possui duas praias e um antigo sapal, onde marinhas de sal deram origem a 4 caldeiras servindo 4 moinhos de maré. Os moinhos de vento são 3 e  existem  vestígios de um antigo estaleiro de construção naval ao pé destes. Na Ponta do Mexilhoeiro os restos da primeira e segunda pontes de embarque dos Vapores do Tejo e do Sado. Na Quinta do Braamcamp há uma história muito variada a preservar, da moagem no moinho de maré e no desaparecido Moinho de Vento do Barão do Sobral, passando pela agricultura e pela cultura do bicho da seda para a industria têxtil, à transformação da cortiça na Sociedade Nacional de Cortiças. O  património natural  de todo o espaço de Alburrica é, como o nome indica, deslumbrante e foi moldado pela mão do homem ao longo de séculos, sempre no respeito pelos equilíbrios ambientais. É  este o património que nos legaram e que nos cumpre preservar e transmitir.

Acreditamos que é possível neste espaço desenvolver uma actividade turística sustentável, não de turismo de massas, mas de turismo dirigido a segmentos precisos, que têm vindo a desenvolver-se nos últimos anos, mas isso só será real se se conseguir criar verdadeiros pólos de interesse que repeitem a história e o património ambiental, paisagístico e cultural existente no Sítio Interesse Municipal e se mantivermos o espaço na esfera do domínio público, negociando e trabalhando com operadores privados e fundos públicos nacionais e comunitários.

Esta Associação preconiza para todo o Sítio de Interesse Municipal as seguintes intervenções: o restauro do Moinho Gigante de vento, que segundo o livro  Portugal – Terra de Moinhos, Jorge Augusto Miranda e José Carlos Nascimento, é único em Portugal  com o tipo de tecnologia utilizada; o restauro do Moinho do Braamcamp e caldeira, com as moendas a funcionar para centro interpretativo vivo e história das unidades moageiras no nosso Concelho, bem como a história da cortiça no Barreiro; o restauro do Moinho Grande como centro interpretativo de toda a zona classificada e do papel que o Barreiro teve na Expansão Portuguesa, articulando com um roteiro de visitas ao património do Concelho sobre esta época e a recuperação da sua caldeira; a consolidação e preservação da ruína do Moinho do Cabo, como ruína e a recuperação da caldeira; a reconstituição da caldeira do que foi o Moinho Pequeno. Claro está que serão necessários apoios de restauração e hotelaria, bem como um diversificado leque de actividades culturais e desportivas de lazer e desenvolvimento cultural e educativo, com equipamentos ligeiros de ar livre e, ainda, apoios de praia; a existência de um percurso de visitação ao ar livre que integre os primeiros cais de embarque  dos barcos de vapor que faziam a ligação a Lisboa, os estaleiros de construção naval, os cais de embarque da cortiça, os barcos característicos deste espaço ( o dos moios, o dos moinhos, os botes, as fragatas, os varinos e a muleta), bem como as actividades e entre estas a da pesca do cerco.

No que se refere ao antigo Moinho Pequeno de maré e dado que já não será mais um moinho (um moinho de maré para o ser tem de ter casa da moagem, casa do moleiro, armazém, caís de embarque, o barco do moinho e a caldeira, tudo isto constituía um pequeno complexo povoado de gente com funções específicas) defendemos que deve ser a “Casa da Fotografia do Barreiro” que deve organizar  os espólios fotográficos existentes na Câmara Municipal,  promover actividade expositiva no campo da fotografia,  realizar investigação e restauro de espólios degradados existentes, adquirir espólios com interesse artístico e histórico-patrimonial, manter um arquivo aberto à investigação.

E que, como Augusto Cabrita costumava dizer “que se proteja o ambiente e a paisagens, sem grandes intervenções, com  as salgadeiras e tudo o mais que, de natural, aí se encontra”.

Todo este espaço  constituiria o  Parque Ambiental e Patrimonial de Alburrica, no qual a componente de investigação em vários domínios deveria estar presente e ao serviço daquilo a que o arquitecto e gestor cultural Marcelo Martin, responsável pelo Departamento de Comunicação do Instituto Andaluz do Património Histórico, define como o grande desafio que “é o de manter o conhecimento  sobre o património em permanente actualização ideológica, na qual prevalecem os valores humanistas, o compromisso com o desenvolvimento que não ponha em perigo a nossa herança cultural e que as actividades em torno do património sejam um factor de mais desenvolvimento social e económico.”

Perante tudo o que afirmámos e pelo que ouvimos na sessão de informação sobre a venda da Quinta do Braamcamp a privados, esta Associação está muito preocupada com o futuro deste espaço. As razões desta nossa preocupação são as seguintes:

1-  pensamos que não deve haver uma decisão de venda deste bem público sem  os estudos multidisciplinares imprescindíveis, já referidos na primeira parte do nosso texto, pois neste momento não existe uma  visão de conjunto, não se elaborou, ao menos nos seus traços gerais, um  projecto, os seus  valores de obra e gestão, uma previsão de custos e benefícios, pelo que não se pode garantir com total e absoluta certeza que a venda é a única forma de permitir a liberdade cabal do usufruto de todo o espaço pela população. Neste sentido esta proposta parece-nos extemporânea, atentatória das justas expectativas dos barreirenses e no mínimo leviana;

2- defendemos que não se pode colocar em perigo o espaço que ambientalmente já corre sérios riscos em consequência do aquecimento global, necessitando, assim, de um estudo de impacto ambiental relativamente a todo e qualquer projecto que venha a ser estruturado para o local.

É urgentemente um estudo/intervenção de preservação ambiental do espaço, se quisermos que o território resista à subida média do nível das águas, de acordo com a previsão cientifica internacional que existe, questão que não parece preocupar este executivo camarário;

3- afirmamos que este  estudo de impacto ambiental é tanto mais necessário, quanto sabemos que o PDM existente é de 1994, tem praticamente um quarto de século e os PDMs perdem a sua actualidade em 10 anos. Como tal está desactualizado, e muito, sobretudo e relativamente a todas as questões que interferem com o ambiente, dado que  são questões decorrentes das alterações climáticas, que só começaram a ter o merecido relevo e a ser uma preocupação pública mais evidente na viragem do século. Estranho é que o  actual executivo da Câmara Municipal, que deveria ser o primeiro a promover esse estudo, tenha afirmado, na pessoa do seu vereador do Planeamento, no dia da sessão pública de esclarecimento, que não era necessária a sua realização, dado que tudo estava previsto e estudado no PDM de 1994, perfeitamente desactualizado! Qual a razão desta recusa? Terá medo que, dados os actuais problemas ambientais, tal estudo negue a possibilidade de venda para construção de habitação no espaço de Quinta? Mas será que tudo isto é feito não em nome do interesse da população como se argumenta, mas no interesse do privado, que compra para ter lucro, não sendo, desta forma,  mais do que um negócio?

4- outra razão ambiental para a nossa recusa do plano de venda a privados para construção de habitação na zona da Quinta do Braamcamp, por parte do actual executivo, é o facto de sabermos que parte do terreno de Alburrica pertence à Reserva Ecológica Nacional REN, sendo os espaços não integrados nesta nos parecem ser zonas vitais de protecção do classificado. Significa isto que tudo o que for feito na Quinta afecta directamente a restante área, o que nos dá razão a dois níveis: o da necessidade de um estudo de impacto ambiental e  de um estudo global de todo o território classificado, hoje, como SIM (Sítio de Interesse Municipal), antes de qualquer outra acção;

5- defendemos que não se devem alienar bens patrimoniais públicos sem que essa decisão seja muito bem ponderada, fundamentada e,  sobretudo, seja uma inevitabilidade absoluta, o que não nos parece ser o caso, dada a forma como foi apresentada e a argumentação utilizada para justificar a sua venda.

A apresentação foi realizada, maioritariamente,  com valores em euros que se ganhavam com a venda, como se se pudesse tratar este assunto exclusivamente como um negócio. Nunca revelou nenhuma preocupação ambiental, paisagística ou patrimonial,  aliás, palavras nunca referidas. Isto foi de tal forma claro, que tal facto mereceu comentário em várias intervenções dos presentes.

Esta é mais uma das razões para, enquanto Associação de defesa do património, recusarmos veemente e liminarmente o projecto apresentado.

Um bem patrimonial como a Quinta do Braamcamp, integrada numa zona classificada, e que é considerada, segundo a lei, um bem de “inestimável valor cultural”, coisa que os proponentes da venda a privados parecem desconhecer, não pode ser alienada com semelhante ligeireza. A legislação em vigor impõe que deva ser tratada como bem cultural  e não como um imóvel que  se coloca à venda no mercado com o único objectivo de obter o máximo lucro. Ainda que tal não pareça, considera-se que há limites para tudo, mas  parece que não só não são respeitados, como nem sequer são reconhecidos;

6- sabemos que o anterior executivo, quando negociou a compra, a justificou com a intenção de destinar todo o espaço para usufruto exclusivo  da população, de acordo com a informação da acta de sessão de Câmara em que foi proposta a compra. É, por isso,  no mínimo estranho que aquilo que então foi decidido democraticamente em sessão de Câmara, seja agora posto em causa, especialmente da forma como se está a processar. A Câmara não deve manter os seus compromissos? Um compromisso não só com quem vendeu, mas também, com a população do Barreiro!

7- a venda da Quinta do Braamcamp, nas condições que foram referidas através da sua sua colocação em hasta pública, configura abertamente um processo de pura especulação com consequências inevitáveis para o mercado imobiliário do Barreiro, constituindo um sério encorajamento à especulação  e acentuando os  desequilíbrios já existentes;

8 – por último, interrogamos-nos se será possível alienar por venda um espaço que está classificado e que fruto desta classificação recebeu fundos comunitários para a recuperação do moinho de maré existente e da sua caldeira? E, ainda, se é possível que privados intervenham neste moinho de maré e sua caldeira realizando obra?

A Associação Barreiro – Património, Memória e Futuro fará tudo o que está ao seu alcance para informar a população do grave problema que teve início no derrube do Moinho Pequeno de maré e agora bate à porta da quinta do Braamcamp e parece já estar a bater à porta da caldeira do Moinho Grande de maré.

Pela defesa da nossa história e do nosso património ambiental, paisagístico e cultural material e imaterial

Pela defesa da nossa identidade

Pela responsabilidade que temos de transmitir o legado que herdámos

Pelo desenvolvimento integral do Barreiro

A Associação Barreiro- Património, Memória e Futuro

Barreiro – 25/2/2019