ALBURRICA MOINHOS DE MARÉ E VENTO – SALVEMOS O PATRIMÓNIO
O Moinho Grande e outras histórias
Alguns dirão que estava em ruína, que o local estava abandonado, que era tempo de apagar estas cicatrizes. É verdade que é necessário o restauro e conservação deste tipo de paisagens culturais evolutivas, feitas pela mão do homem ao longo dos séculos, introduzindo indústrias e respeitando o ambiente e a paisagem.
Mas não podemos, nem devemos fazê-lo ignorando a sua importância, desconhecendo as boas práticas existentes em muitos lados, e a autenticidade da intervenção relativamente às paisagens industriais.
A Carta de Nizhny Tagil sobre o Património Industrial, entre outras cartas internacionais que protegem o património e que foram subscritas por Portugal, refere: “Os sítios mais importantes devem ser integralmente protegidos e não deve ser autorizada nenhuma intervenção que comprometa a sua integridade histórica ou a autenticidade da sua construção…..”
Alburrica é um caso único no País: merece atenção, estudo, cuidado, sensibilidade, atributos que parecem escassear! E como doí, quando se tem a consciência de que o que está a ser feito não respeita a componente ambiental (Classificação de REN: restinga nas praias; zona alagadiça na Braamcamp; zona húmida /sapal, nas caldeiras), nem a biodiversidade, nem os engenhos de moagem de maré e vento, “monumentos de arqueologia industrial” segundo o historiados António Nabais, que no seu restauro não podem ser arrasados.
Dois dos moinhos já sofreram “reabilitações” (o Moinho Pequeno e agora o Moinho Grande) que se antes eram considerados bens com valor patrimonial, hoje, por causa da forma como foram tratados, deixaram de poder ser considerados como tal, pelas leis nacionais e internacionais e pela própria UNESCO, ou seja, deixaram de ter valor patrimonial, social e cultural e passaram a ter um valor económico muito menor.
Ambientalmente as caldeiras estão classificadas como zonas húmidas, ou seja, pertencem à categoria de sapais e integram a Rede Ecológica Nacional. Fazem parte do ecossistema onde 86 espécies de aves aqui nidificam, alimentam ou descansam nas migrações usuais.
Qual o significado desta classificação? Os sapais, conjuntamente com as pradarias marítimas e as florestas tropicais, são zonas essenciais de mitigação das temperaturas por retenção do dióxido de carbono e são ambientes naturais com nutrientes indispensáveis à alimentação de várias espécies de animais, devendo por isso ser renaturalizadas, limpas e conservadas, sem alteração fundamental das plantas que constituem o seu coberto vegetal, coisa que nunca poderia acontecer numa praia densamente utilizada, como se anunciou, apesar de existirem 4 praias a menos de 200m. Esta decisão é um enormíssimo erro ambiental, porque destrói o ecossistema existente.
Em Alburrica está concentrada parte muito significativa da nossa história e património, da nossa identidade, aspectos fundamentais ao desenvolvimento sustentado da nossa terra, à coesão social e à criatividade.
Alburrica é zona classificada de Sítio de Interesse Local, para protecção moageira, ambiental e paisagística, os moinhos estão inscritos na Carta Nacional do Património Arqueológico, o que levou a Direcção Geral do Património Cultural/ Ministério da Cultura a intervir obrigando a Câmara Municipal a parar a obra e declarando que o que estava a ser feito era um crime. Porém nada pode ser feito que repare este crime. O moinho vai ser aquilo a que a patrimonialmente se chama de um “falso”.
Parece impossível que tendo o Barreiro a maior concentração de moinhos de maré do estuário do Tejo, não tenha um único restaurado para visitação do processo de farinhar. Alburrica pela sua localização e porque todos os moinhos são património da Câmara Municipal é o sítio certo para tal restauro, porém, até agora, as decisões têm sido de destruir e não de restaurar, o que parece ser incompreensível!
Não se inventa do nada em nenhuma área do conhecimento humano, não se podem criar futuros sustentados sem conhecermos o passado, o nosso futuro é a sua recriação com inovação. Caso contrário a nossa paisagem torna-se plástico, é falsa e superficial e nós vamos ficando também falsos e superficiais, desenraizados, alienados. Certamente que ninguém quer isto, só que desconhece a importância do passado que herdámos e a existência de boas práticas.
Sobre essas boas práticas, se consultarmos as cartas e leis referentes ao património cultural, veremos que não existem versões de arrasamento de Moinhos em conservação de património cultural. O Coliseu de Roma, tem partes em ruína, nunca passou pela cabeça de ninguém arrasar as suas paredes para fazer novas.
Cumpre-nos defender o património arqueológico, natural e paisagístico, para que tenhamos um futuro mais humano, socialmente mais coeso, e economicamente melhor, contribuindo de forma séria também para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Barreiro, Junho 2023
Associação Barreiro Património Memória Futuro